Neste artigo vamos resumir o passo-a-passo para implementar um estudo clínico lembrando sempre que o processo é bastante complexo e, como em outras coisas, a armadilha pode estar nos detalhes.
Implementação de um estudo
Todo estudo começa com a elaboração de um protocolo. Quem nunca trabalhou na área nem imagina como esse documento pode ser longo e detalhado. Começa com uma introdução onde se fala sobre a doença em foco, o medicamento e as perguntas básicas que o estudo pretende responder. A seguir descreve cuidadosamente os objetivos e desfechos do estudo, fornece uma visão geral do que será feito e detalha os critérios para selecionar os pacientes. Apresenta o plano do estudo, o que será feito em cada visita do paciente ao centro de pesquisa, todos os procedimentos que serão realizados, o manejo do paciente em cada situação, a farmacovigilância, medicamentos que serão utilizados e que serão proibidos, testes estatísticos para as análises dos resultados e como foi calculado o tamanho da amostra e finalmente controle de qualidade e aspectos éticos.
Definidos os pontos mais críticos do protocolo, já se inicia o processo de seleção dos centros que farão parte da pesquisa. Para isso é elaborado um questionário de viabilidade que será enviado a investigadores em potencial. Esse questionário inclui perguntas sobre experiência anterior do centro de pesquisa, potencial de recrutamento, estrutura do centro de pesquisa e da equipe que será envolvida no estudo, entre outras. O processo de seleção dos centros pode ser longo pois requer o recebimento das respostas por parte dos investigadores e sua análise. Feita uma pré-seleção dos centros, é realizada uma visita pré-estudo a esses centros pré-selecionados, onde o representante do patrocinador verifica in loco a estrutura do centro e potencial de recrutamento, entre outros aspectos.
Uma vez selecionados os centros, são enviados para os centros os documentos da pesquisa (protocolo, termo de consentimento, brochura do investigador contendo tudo que já se conhece sobre o medicamento em estudo, informações financeiras, entre outros).
Os centros, por sua vez, submetem esses documentos a seus comitês de ética em pesquisa. No Brasil, é necessária também a aprovação da CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), e a submissão é feita pelos próprios comitês de ética dos centros envolvidos.
Em paralelo, o patrocinador submete um dossiê do estudo à ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e após a aprovação, a agência libera o documento que permite a importação dos medicamentos do estudo (se for o caso).
Na mesma ocasião que as aprovações ocorrem, ou estão prestes a ocorrer, é realizada uma reunião com os investigadores e parte de suas equipes juntamente com representantes do patrocinador, para treinamento e discussão dos principais aspectos relacionados à condução do estudo.
Uma vez dado o sinal verde da CONEP e ANVISA, o estudo está pronto para iniciar e um representante do patrocinador (conhecido como monitor da pesquisa) visita cada centro e confere os detalhes finais. A seguir, o centro está apto a iniciar o recrutamento dos pacientes.
Uma vez iniciado o recrutamento, são realizadas visitas periódicas ao centro pelos monitores da pesquisa, que conferem todos os documentos, se os termos de consentimento estão devidamente assinados e com data correta, verificam se as informações que o centro preenche nas fichas clínicas do estudo estão de acordo com os prontuários dos pacientes, e esclarecem as dúvidas que possam existir por parte da equipe do centro de pesquisa.
Quando o recrutamento é encerrado ocorre o “fechamento” do banco de dados, que é um processo trabalhoso, uma vez que cada dúvida, imprecisão ou inconsistência no preenchimento das fichas clínicas do estudo devem ser esclarecidas para a equipe do patrocinador responsável pela análise dos dados. Essas perguntas que vão surgindo são conhecidas como queries e representam uma boa carga de trabalho tanto para os monitores como para as equipes dos centros de pesquisa. Mas o devido esclarecimento de cada uma dessas queries é fundamental para garantir a integridade do banco de dados.
Finalmente, é feita a análise dos dados e preparado um relatório final do estudo que será utilizado para submissão a autoridades regulatórias dos países e para publicação de artigos em revistas médicas.
Como vimos, um processo longo e complexo, e para complicar ainda mais, ocorrem as famosas emendas aos protocolos, que ocorrem devido a modificações necessárias ao longo do estudo, seja devido a novas informações ou a questões de ordem prática observadas no decorrer da execução do estudo. Sim, cada uma dessas emendas (exceto se forem somente alterações administrativas simples) passa por todo o processo de aprovação novamente. Mas não, o estudo não precisa ser interrompido e esperar cada emenda ser aprovada, a menos que a alteração ponha em risco a segurança dos pacientes ou a integridade dos dados. Enquanto as emendas não são aprovadas, os centros podem continuar com o estudo de acordo com a versão anterior do protocolo antes da emenda, se o patrocinador considerar apropriado.
Caminho do paciente
Vamos falar um pouco sobre o termo “paciente” para se referir aos participantes de um estudo clínico. Esse termo, embora bastante utilizado, não é o mais apropriado, mesmo porque em alguns estudos os participantes são voluntários sadios. O termo técnico correto é “sujeito” (do inglês subject) mas também são usados os termos “participantes” ou “voluntários”.
Quem são esses participantes do estudo? Podem ser pacientes já em atendimento no centro de pesquisa, pacientes encaminhados por outro serviço ou voluntários que respondam a anúncios do estudo. Lembrando que qualquer tipo de anúncio voltado diretamente a potenciais voluntários deve obter antes a aprovação do comitê de ética.
Quando o estudo vai avaliar uma doença crônica, recrutar é mais fácil, pois o investigador, no momento que sabe que vai participar do estudo, já faz uma pré-seleção através dos prontuários de seus próprios pacientes. No caso de doenças agudas, não tem como fazer uma pré-seleção, o investigador tem que contar com os pacientes que buscam atendimento nos serviços de emergência ou pronto-atendimento de sua instituição depois que o estudo se inicia, e como o timing pode ser crítico, é necessário haver um excelente plano de comunicação entre a equipe do estudo e os profissionais que atendem nos serviços de urgência.
Nessa pré-seleção que o investigador faz, não pode ser realizado nenhum tipo de procedimento que não seria feito de rotina e de forma independente do estudo. O voluntário é convidado a participar do estudo e, se aceitar, deve ser informado com detalhes sobre o estudo e assinar o termo de consentimento. Somente após essa assinatura o voluntário passa a ser considerado um sujeito do estudo.
O próximo passo é verificar se o sujeito atende aos critérios de elegibilidade, em uma fase do estudo que é conhecida como triagem (screening). Caso apresente todos os critérios de inclusão e nenhum de exclusão o sujeito está apto a ser randomizado para um dos grupos e iniciar o tratamento correspondente. O momento que o sujeito está apto a iniciar o tratamento, mas antes de receber, é chamado de basal (baseline). As avaliações realizadas nesse momento são cruciais, pois todas as análises dos resultados usarão o basal como ponto de partida para avaliar a eficácia e segurança.
O sujeito da pesquisa deverá retornar ao centro para as avaliações descritas no protocolo, mas poderá sair do estudo no momento que desejar. Alguns sujeitos interrompem o tratamento, seja por vontade própria ou decisão do investigador, mas aceitam continuar no estudo. Nesses casos, continuam as avaliações de segurança.
O registro de eventos adversos inicia assim que o sujeito assina o termo de consentimento e vai até o final do período de seguimento pré-determinado pelo protocolo, que ocorre após o término do tratamento. Os eventos adversos que surgem após o início do tratamento são chamados de eventos adversos emergentes com o tratamento (treatment-emergent adverse events). Esses eventos adversos podem ou não estar relacionados aos medicamentos em estudo, e essa avaliação é feita em várias instâncias: pelo próprio investigador, pelo monitor médico do patrocinador, e muitas vezes por um comitê de segurança independente. O código de randomização de um paciente pode ser quebrado se o investigador julgar que essa informação é crítica para determinar o tratamento para o evento adverso que o paciente apresentou.
Informações do Autor
Dra. Eliana Maria de Benedictis
Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tendo atuado nos últimos 26 anos na indústria farmacêutica e em organizações de pesquisa clínica (CRO). Atuou nas empresas: Wyeth, Roche, Parexel e Janssen.
Entre as funções que desempenhou, destaca-se pesquisa clínica, monitoria médica, farmacovigilância, medical affairs, gerenciamento de crises, suporte regulatório e gerenciamento de equipes de alta performance.
Tem especialização em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde pela Fundação Getúlio Vargas e Mestrado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas.
Atua como consultora para Farmacovigilância, Pesquisa Clínica, Medical Affairs e treinamento médico de Força de Vendas e MSLs. Implementação de área e processos de Farmacovigilância na indústria farmacêutica e CRO.
eliana.benedictis@gmail.com
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Key Words
– Estudo Científico
– Estudo Clínico
– Farmacovigilância
– Indústria Farmacêutica
– Pesquisa e Desenvolvimento (R&D)