A Ideia
Está é a continuação do artigo “Sua Marca Tem Uma Estratégia? Tem Certeza?” disponível em https://www.sbtd.com.br/2023/03/14/sua-marca-tem-uma-estrategia-tem-certeza/. O presente texto pode, no entanto, ser lido independentemente do artigo anterior, sem prejuízo de compreensão.
No artigo prévio falei sobre a compreensão do termo estratégia e da confusão que há sobre o que são estratégias, táticas e aspirações. Vimos que, certos planos de marketing apresentam como “estratégias”, ideias que não são verdadeiras estratégias. Podem ser aspirações, “objetivos qualitativos” (inquantificáveis) ou táticas (proposições demasiadamente detalhadas e de baixo nível). O risco é que se não nos assegurarmos de estarmos discutindo uma estratégia de verdade, talvez aprovemos uma “não-estratégia”, que dará origem a táticas equivocadas e ineficazes. As táticas são a expressão da estratégia no mundo real da execução. Vale lembrar o adágio de Sun-Tzu:
1 Neste artigo chamo de “estratégia” (entre aspas) algo que conceitualmente não é uma verdadeira estratégia. Para uma ideia que ainda não sabemos se é ou não uma estratégia uso os termos proposição, candidato à estratégia, ideia, direção ou direcionamento.
1 Quando falar em execução de estratégia estará sempre implícito que falo da execução das táticas subordinadas à estratégia em questão.
“Estratégia sem táticas é o caminho mais lento à vitória. Táticas sem estratégia são o ruído antes da derrota”.
Nossa ênfase é que primeiro devemos certificar-nos de que o que discutiremos é uma real estratégia, pois esse é o ponto de partida para todo o processo subsequente. Caso a proposição seja uma tática (e não uma verdadeira estratégia) nos aguarda o destino previsto por Sun Tzu. Se o que propomos for um “objetivo qualitativo”, qualquer tática será inócua. E se a suposta estratégia for na verdade uma aspiração – ou um wishful thinking – as táticas subordinadas serão no melhor caso aleatórias.
Haverá uma desconexão entre seus objetivos (que devem ser sempre S.M.A.R.T.), a suposta estratégia e as táticas decorrentes. Recupero outro preceito de Sun-Tzu:
“Todos podem ver as táticas que utilizo, mas ninguém consegue ver a estratégia que possibilitou a vitória”
Estratégia é uma escolha
Ainda que um candidato à estratégia seja confirmado como uma verdadeira estratégia, não significa que seja a melhor estratégia plausível. Uma estratégia é sempre uma escolha, entre diversas alternativas possíveis. Por isso, nos aferrarmos à primeira ideia de estratégia que nos ocorra é um erro. É preciso analisar várias opções e escolher qual parece a melhor.
Vejamos um exemplo de escolha de estratégia na História. Para conseguir a rendição do exército japonês na 2ª Guerra Mundial, até o início do inverno de 1945 (por sinal, um objetivo S.M.A.R.T.), as forças armadas americanas contavam com diversas possíveis alternativas. Entre elas: (a) negociações diplomáticas, (b) guerra convencional ou (c) ataque nuclear. Decidiram que este último era o mais adequado para se chegar ao objetivo almejado, deixando obviamente de lado questões morais, éticas, religiosas ou humanitárias.
A estratégia foi então decupada em táticas (quantas e quais cidades seriam atingidas, qual seria o modelo dos aviões bombardeiros, quantas bombas nucleares seriam lançadas, quais seriam suas potências, quem comporia a tripulação, de onde decolariam os bombardeiros etc. etc. etc.).
O resultado da execução da estratégia é conhecido e os Estados Unidos atingiram seu objetivo: em 2 de setembro de 1945 o Imperador Hiroíto assinou oficialmente a rendição.
Os 4 Pontos Cardeais da Estratégia
Meu propósito neste artigo é que ele seja um guia prático para que se possa validar se um direcionamento que queremos propor é uma real estratégia, ou para avaliar se uma ideia que nos é apresentada qualifica como estratégia real. Criei este modelo de validação de estratégia quando fazia minha pós-graduação na University of Tampa, na Flórida. Ele é baseado nos quatro critérios abaixo e o batizei de “Os 4 Pontos Cardeais da Estratégia”.
Como usar este modelo? Se sua proposição de direcionamento para sua marca atende aos quatro critérios, significa que você desenhou uma real estratégia que pode agora ser discutida e se julgada como a melhor entre as alternativas, pode avançar e ser cascateada em táticas.
1. Alto Nível, o Norte
Ao ser apresentado um direcionamento “candidato à estratégia”, temos que em primeiro lugar estar seguros de que é uma proposição de alto nível, no sentido de que é uma grande ideia, uma direção geral, como definiu Jack Welch. Grande ideia não significa uma fantástica ideia; é grande no sentido que é geral, de amplo escopo e não específica. Se temos a impressão de que uma ideia é específica demais, muito provavelmente não é uma verdadeira estratégia.
Voltemos ao exemplo da rendição do exército japonês na Segunda Guerra Mundial. As três alternativas acima mencionadas de estratégia das forças armadas americanas eram todas de alto nível. Uma ideia como “utilizar bombardeiros B-52” seria demasiado específica. De fato, esta seria uma tática que decorre da estratégia de emprego de guerra convencional. No contexto do marketing de bens e serviços podemos pensar que “Implementar pop-ups no YouTube” é muito específico e não de alto nível. “Utilizar mídia social” pode ser de alto nível, uma estratégia que pode ser “aterrizada” através de diversas táticas, das quais a utilização do YouTube é apenas uma opção.
2. Sustentável, o Sul
Este ponto cardeal tem o significado que um direcionamento, para ser caracterizado como uma verdadeira estratégia, deve ser defensável além de um curto horizonte de tempo. Em outras palavras, a companhia que implementará a estratégia deve estar segura de que contará com as condições necessárias para executá-la no médio e longo prazo. Precisa ter um razoável grau de certeza de que nenhum competidor poderá vir a apropriar-se da vantagem competitiva na qual se baseia a estratégia nesse arco de tempo.
Imaginemos uma companhia que define uma direção baseada em liderança de preços (ou seja, trabalhar com os preços mais baixos do seu segmento). A conduta pode ser caracterizada como estratégia real caso a empresa tenha uma estrutura de custos que permita manter o nível de preços constantemente abaixo da concorrência, garantindo ao mesmo tempo a margem bruta. Imaginando que a tal empresa só tenha a capacidade de sustentar os preços abaixo dos rivais apenas por seis meses, não podemos chamar essa proposição de estratégia: seria talvez uma tática, ou mais possivelmente, uma ação promocional pontual.
3. Longo Prazo, o Leste
O ponto cardeal “Longo Prazo” tem um sentido diferente de “Sustentável”, embora estejam relacionados. “Sustentável”, como vimos, relaciona-se com a capacidade interna da organização e das condições externas de manter a estratégia em execução por longos períodos. “Longo Prazo” diz respeito a que a direção escolhida seja olhada mais além do horizonte e adeque-se à análise do mercado e do ambiente competitivo para os próximos anos. Uma real estratégia precisa perdurar por vários planos de marketing anuais. Se você muda de estratégia a cada ano, existem duas hipóteses. Ou você está chamando de estratégia o que é na verdade tática, ou não está dando tempo suficiente para verificar se a estratégia está funcionando ou não. Concordo que, ao aprovar uma nova estratégia, três meses depois você já será cobrado pelos resultados, sem ao menos haver tempo para sua implementação, quanto menos para mensuração. A pressão é grande e é necessário muita habilidade para administrar a impaciência da alta administração.
“Longo Prazo” não significa que não se deve nunca mudar estratégia. Uma estratégia deve ser trocada caso: (a) haja se revelado ineficaz após tempo considerável de sua implementação ou (b) quando um grande e inesperado evento mude radicalmente o ambiente competitivo.
Na guerra de Troia, os gregos tentaram implementar uma estratégia durante 10 anos, antes de decidirem mudar de direção. Bom, talvez seja tempo demais para certificar-se que a estratégia não estava funcionando… Um exercício de repensamento estratégico deveria ter sido conduzido muito antes… Meta, a companhia que controla o Facebook foi pega de surpresa com o êxito do ChatGPT (um milhão de usuários nos primeiros cinco dias de lançamento) e está sendo forçada a rever suas estratégias de negócio rapidamente.
4. Controlável, o Oeste
“Controlável” significa que para uma proposição de curso poder ser considerada uma estratégia, a companhia que vai implementá-la deve ter um significativo controle sobre sua execução, ou seja, quando existe uma real estratégia, a empresa pode escolher quando implementá-la, com que grau de força, quando pausá-la. A execução depende quase exclusivamente da decisão da companhia que a construiu. Vejamos o exemplo do exército americano e a estratégia de ataque nuclear contra o Japão. Os americanos tinham total controle de quando e como executar a estratégia; o que o Japão podia fazer para evitá-la era negligenciável. Que fatores não estavam sob controle das forças armadas dos EUA? Somente o imponderável: uma falha nas bombas nucleares, um tufão que impedisse o ataque, uma crise de consciência do piloto. Mas podemos afirmar que mais de 90% do controle sô dependia dos EUA.
Muitas supostas estratégias não passam no teste do controlável e revelam-se mais como intenções, “objetivos qualitativos”, ou wishifull thinking.
É frequente no mercado farmacêutica encontrarmos “estratégias” como “ser considerado o gold standard no tratamento da…”. Isto é uma não-estratégia: é uma aspiração ou o tal do “objetivo qualitativo”. Afinal, que controle temos sobre a percepção que tem o público-alvo? Podemos investir para que isto (talvez) ocorra, mas ainda assim o controle que temos é muito pequeno.
Também, quando uma proposição começa com “ser líder de ….” ou algo como “obter o maior share-of-voice do segmento X” são também não-estratégias, pois falham no teste do “Controlável”. Que domínio tem essa marca sobre essa a execução dessa “estratégia”? Quase nenhum. Obter uma liderança, do que quer que seja, não é controlável; depende do que façam os competidores.
Para se obter o maior share of voice irá se investir muito em propaganda e promoção. Isto está sim sob controle da marca. Porém a marca não tem controle sobre quanto investirão os concorrentes, logo é possível que um concorrente impeça a execução dessa “estratégia”.
Agora, supondo que a proposição seja “investir em promoção e propaganda 10% a mais do que o concorrente X gastou no ano anterior” é uma estratégia pelo critério do “Controlável”. O controle desse investimento está totalmente nas mãos da sua marca, e somente o imponderável pode impedir a execução. Atenção: se a marca não tem condições de sustentar essa conduta por tempo considerável a proposição não passa no teste do “Sustentável”.
Em Conclusão
Se sua proposição de direção passa pelos quatro testes, é de Alto Nível, é Sustentável, é voltada para o Longo Prazo e é Controlável, parabéns, você criou uma autêntica Estratégia. Caso esta seja escolhida entre outras opções, é hora de decupá-la em táticas e planos de ação.
Para terminar quero destacar dois pontos fundamentais.
Primeiro, além de julgar um candidato à estratégia através dos quatro pontos cardeais e validá-lo como verdadeira estratégia, é fundamental que ele passe pelo crivo do bom-senso. Devemos julgar nossas ideias friamente e abandonar aquelas mirabolantes.
Segundo, lembre-se que estratégia vive na dimensão das ideias e que só vem ao mundo real através das táticas. Logo, uma execução tática impecável é absolutamente crucial. Nada pior do que descartar uma estratégia vencedora por concluir que ela não funciona, quando na verdade alguém se esqueceu de executá-la.
Informações do Autor
Antonio Cesar Rodrigues
Antonio Cesar Rodrigues é professor e consultor, com mestrado científico em marketing pela John Sykes College of Business, na Universidade de Tampa, Flórida, e especialização em marketing pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Com mais de 30 anos de vivência na área, trabalhando em posições executivas nacionais, latino-americanas e globais, suas áreas de expertise englobam Marketing Farmacêutico, Estratégia, Pricing, Comportamento do Consumidor, Marketing Intelligence e Efetividade de Marketing & Vendas. Atualmente dá aulas no MBA Internacional da FIA em São Paulo, ministrando as disciplinas de Marketing Intelligence e Consumer Behavior. Atuou também como professor da cadeira de Marketing na Universidade de Tampa em 2020 e 2021. Antonio Cesar é diretor da Pro|Marketing, consultoria por ele criada, cuja missão é “desenvolver profissionais de marketing extraordinários”.
cesar.rodrigues@promktg.com.br
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