De Onde Vens, Estratégia?
Estratégia é palavra muito usada na literatura de marketing e uma das mais empregadas de forma equivocada. A palavra “estratégia” remonta à antiguidade, havendo aparecido no âmbito do exército grego com o termo “estratego”, cujo significado, de acordo com o dicionário Caldas Aulete é:
Estratego (substantivo masculino): 1. Hist. Na antiga Atenas (Grécia), general eleito magistrado anualmente. 2. Hist. Na Grécia antiga, cada um dos dez magistrados que, eleitos pelo povo, cuidavam de assuntos de caráter militar. 3. O mesmo que estrategista.
Ou seja, falamos do comandante de um exército. A disciplina de marketing emprestou muitos termos do campo da guerra. Basta pensar em palavras como estratégia, tática, campanha e alvo (target), que vêm diretamente do jargão militar.
Definir ou Conceituar?
Definir “estratégia” é complexo e acredito que usar um conceito é mais fácil para que as pessoas compreendam a noção. Minha experiência de ensino me convenceu que contar uma história é a melhor forma de transmitir um conceito. Usei essa abordagem no artigo “Entendendo Estratégia com Gregos & Troianos” (https://promktg.wordpress.com/2019/09/11/entendendo-estrategia-com-gregos-troianos/). Nele você vai encontrar uma narração da guerra de Troia sob o ponto de vista de estratégia. Qual era o papel do Cavalo de Troia? Vale a pena a leitura.
Estratégia & Business
Na literatura de negócios “estratégia” tem inúmeras explicações. Michael Porter ensina que “estratégia significa realizar atividades diferentes das dos rivais ou realizar atividades semelhantes de maneiras diferentes”. Já Alfred DuPont Chandler Jr. argumentou que “estratégia pode ser definida como a determinação das metas e objetivos básicos de uma empresa, a adoção de cursos de ação e alocação dos recursos necessários para atingir estas metas”. Há também definições simples como a de Jack Welch: “… estratégia é uma coisa muito simples. Você escolhe uma direção para seguir e manda brasa na implementação”.
Framework Estratégico & Grande Estratégia
É importante diferenciar o que é um framework estratégico daquilo que é uma estratégia de marketing, esta última o foco deste artigo. Frameworks estratégicos são modelos criados por professores, teóricos, autores e consultores. Alguns exemplos são: as Estratégias Genéricas e as 5 Forças de Michael Porter, a análise de portfolio da BCG criada por Bruce Henderson, a matriz de oportunidades estratégicas de Ansoff e a análise SWOT. Quase sempre, estes modelos são empregados para definir estratégias de uma companhia.
Também devemos diferenciar o termo estratégia de marketing da Grande Estratégia. Refiro-me aqui a obras como “A arte da guerra” de Sun-Tzu, a qual tem uma passagem que gosto muito:
“Todos podem ver as táticas que utilizo, mas ninguém consegue ver a estratégia que possibilitou a vitória”
Este é um ponto central para separarmos o joio do trigo – o que é estratégia do que é tática, mas isto vem mais adiante. Outros exemplos de “Grande Estratégia” são as obras “O Príncipe” de Machiavel, e “Da Guerra” de Claus von Clausewitz, obras seminais e leitura obrigatória para os que são fascinados pelo tema.
Estratégias de Marketing
As estratégias de marketing são aquelas que fazem parte de nossos planos de marketing e planos de lançamento de produto. Em algumas companhias, as estratégias ocupam apenas um slide do deck de PowerPoint dos planos de marketing e levam pouco tempo para serem apresentadas. Não é raro que esse slide haja sido preparado sem muita análise e reflexão pelo gerente de marketing de produto ou que seja fruto de um copy & paste do plano do ano anterior. O que frequentemente ocorre é que os objetivos são definidos e se passa diretamente às táticas e planos de ação. Mas antes, deve necessariamente ocorrer a escolha de como os objetivos serão alcançados – a estratégia
Estratégias de marketing desaguam em táticas e planos de ação que as trarão ao mundo real (tactics bring strategy to life). Ou seja, as táticas são subordinadas à estratégia. Estranhamente, a seção de táticas pode ocupar mais de 20 slides nos planos de marketing e na apresentação cada uma será exaustivamente escrutinizada pela diretoria. “Precisamos ter tantos materiais de merchandising?”, “Por que não usamos TikTok?”, “E a Anitta? Por que não ela na campanha de mídia?”.
Gasta-se tempo demais falando em táticas e tempo de menos analisando, desenhando, discutindo e selecionando estratégias. Por falta de critério, existem discussões infinitas sobre se determinada proposição é estratégia ou tática. Numa companhia que conheço criou-se o termo “estrática” para não ficar discutindo se algo era tática ou estratégia. O resultado: não houve mais discussões e criou-se um número infindável de estráticas que muitas vezes eram táticas em busca de uma estratégia. Vale aqui resgatar outro preceito de Sun Tzu:
“Estratégia sem táticas é o caminho mais lento à vitória. Táticas sem estratégia são o ruído antes da derrota”.
Bom, e o que aparece naquele slide de estratégias no deck do plano de marketing? Na minha experiência aquilo que vem nesse slide raramente são verdadeiras estratégias. São frequentemente uma mistura de táticas, ambições, “objetivos qualitativos” e boas intenções.
“Estabelecer o produto como primeira linha no tratamento da artrite psoriática”, “expandir vendas no setor público”, “tornar-se a companhia com produtos de melhor qualidade no país”, “promover o produto para 90% dos endocrinologistas” são exemplos reais retirados de planos de marketing de medicamentos. Nos três primeiros exemplos o que temos são ambições ou talvez wishful thinking. No quarto exemplo o que temos é uma tática. Estratégias de marketing são reconhecíveis por serem uma “grande ideia”. Não grande no sentido de fantástica – é uma grande ideia no sentido de que é ampla, de alto nível – ou como disse Jack Welch, “uma direção”.
É Estratégia Ou Não É?
Vimos o que não são estratégias mas, quando estamos diante de uma proposição, como saber se algo é realmente uma estratégia? Quebrei muito a cabeça na aprovação de planos de marketing, decidindo se algo era ou não estratégia. Usava meu instinto para decidir se era estratégia ou tática, “objetivo qualitativo”, desejo, ambição, intenção, visão ou nada disso.
No entanto, no mundo acadêmico não podia mais julgar se uma proposição de direção tinha “cheiro” de estratégia. Era necessário trazer rigor acadêmico nessa discussão. Depois de muito estudo e de usar toda minha experiência, inclusive escavando planos de marketing em diversas fontes, cheguei a um princípio de que denominei “Pontos Cardeais da Estratégia”.
O que são estes quatro pontos cardeais? São critérios que se atendidos validam que uma proposição é sim uma estratégia. Minha abordagem é usar quatro critérios:
1 – Alto nível
2 – Sustentável
3 – Longo Prazo
4 – Controlável
Caso a direção proposta atenda os quatro critérios, o caminho apresentado se qualifica como uma estratégia de marketing. Uma ressalva importante: estes “Pontos Cardeais da Estratégia” podem nos revelar se um direcionamento proposto pode ser considerado estratégia, porém não podem nos dizer se é a escolha correta para se atingir os objetivos. Ou seja, ao cumprir com os quatro critérios nos asseguramos que temos uma estratégia e podemos começar a discutir se ela é ou não efetiva.
Na segunda parte deste artigo, vamos discutir cada um deles, compreender seu significado e o porquê de sua importância na caracterização de uma estratégia de marketing.
Informações do Autor
Antonio Cesar Rodrigues
Antonio Cesar Rodrigues é professor e consultor, com mestrado científico em marketing pela John Sykes College of Business, na Universidade de Tampa, Flórida, e especialização em marketing pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Com mais de 30 anos de vivência na área, trabalhando em posições executivas nacionais, latino-americanas e globais, suas áreas de expertise englobam Marketing Farmacêutico, Estratégia, Pricing, Comportamento do Consumidor, Marketing Intelligence e Efetividade de Marketing & Vendas. Atualmente dá aulas no MBA Internacional da FIA em São Paulo, ministrando as disciplinas de Marketing Intelligence e Consumer Behavior. Atuou também como professor da cadeira de Marketing na Universidade de Tampa em 2020 e 2021. Antonio Cesar é diretor da Pro|Marketing, consultoria por ele criada, cuja missão é “desenvolver profissionais de marketing extraordinários”.
cesar.rodrigues@promktg.com.br
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Key Words
– Estratégia
– Gerente de Produto
– Gestão de Marketing
– Indústria Farmacêutica
– Marketing