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Estava cheio de trabalho, mas me presenteei com uma dose de dopamina adicional almoçando no shopping. No retorno do repasto e com três quarteirões para andar até o escritório, disputei gentilmente alguns centímetros da calçada com um senhor idoso, que aguardava em uma fila, fio afora.
Era uma lotérica e, como se aproximava o final de semana e certamente havia prêmio acumulado, a fila adentrava a margem da sarjeta.
Nos primeiros segundos de desarranjo entre a rua e a lotérica, e eu tentando continuar no passamento da minha trajetória, desejei boa sorte ao idoso da fila, que retribuiu com um sorriso paternal, com dentes e ausências intercalados por espaços. Um sorriso de alma nunca falta dentes.
Algo tocou meu coração, eu que já não tinha pressa de morrer, naquele instante também perdi a pressa de viver, e aprofundei minha conversa com aquele bom espírito desconhecido no centro- esquerda da calçada.
Pronto, talvez ele pudesse imaginar minha atenção na figura de um filho ausente, e eu poderia vê-lo no vácuo do meu pai “in memoriam”.
O papo se aprofundou, o repertório de palavras era simples, mas com uma profundidade eufórica retumbante. Ele tinha uma alegria e não havia se cansado de viver, por vezes isso cansa.
Depois dos 3 minutos de conversa solta ao vento de Moema, segui meu rumo tentando entender por que um senhor de 86 anos estava na fila da loteria.
Foi então que me lembrei da ucraniana Clarice Lispector, com seu sotaque pernambucano do Recife, para decifrar o que eu havia vivenciado naqueles rápidos instantes. É horrível evocar as palavras dela considerando o modismo existente por aqui, mas, por trás do cigarro e da bebida dela, emergia uma sobriedade da vida humana que vamos precisar continuar vivendo para entendê-la.
Evocando os devaneios profundos e lindos de Clarice, envelhecer é uma trajetória para algum tipo de solidão (como se existissem vários) e principalmente para o processo de entristecimento. Isso mesmo, envelhecer pode ser sinônimo de solidão e tristeza. Então, do baixo ou do alto da sua lucidez, emergia a reflexão: por que as crianças não são tristes? A resposta dela, carregada de fumaça do pito e do teclado estridente da máquina de escrever, era surpreendente: “As crianças não se tornam tristes porque possuem algum tipo de fantasia”.
Pronto, crescemos, conquistamos, vivemos, mas perdemos nossas fantasias. Então, as crianças mantêm-se com um doce sorriso maroto, por vezes desdentado ou catarrento, simplesmente porque se permitem “sonhar”. Isso mesmo, sonhar!
Aquele idoso em formato de anjo na fila da loteria não estava atrás de dinheiro que nunca viria, estava simplesmente regando seus sonhos e fantasias. Sem estes, nós morremos por dentro e abraçamos a tristeza como um sentimento diário.
Precisamos levar tudo muito a sério: a família, o trabalho, a saúde, a gestão financeira, tudo! Exceto uma coisa não é para ser levada a sério: a vida!
A cor da vida vem dos sonhos, a realidade é cinza.
A vida em toda sua extensão sempre poderá nos surpreender. Desistir de ter algum amor platônico, algum desejo inatingível ou simplesmente fomentar esperança talvez seja o bilhete premiado para ser sacado em outra dimensão. Quem sabe eu não encontre o mesmo senhor novamente em outra fila?
Informações do Autor
Fernando Cesar Cardoso
Profissional de Treinamento & Desenvolvimento, com uma longa vivência em Educação Corporativa, atuou como executivo de Recursos Humanos e possui uma experiência adquirida em décadas de trabalho em empresas nacionais e multinacionais como: Petróleo Ipiranga, Sintofarma, Merrell Lepetit, Hoechst Marion Roussel, Aventis Pharma e Grupo Sanofi. Seu embasamento conceitual tem sido consolidado através de atualizações profissionais em cursos realizados em importantes instituições globais como: MIT Massachusetts Institute of Technology (Cambridge – EUA), The Oxford Group (Paris – França), ICM Inter Cultural Management (Nova York – EUA), CrowneFinch (Paris – França), Hay Group (Bridgewater – EUA) e HCI Education (Paris – França). Atuou como professor de Pós-Graduação e MBA em “Gestão do Fator Humano”, “Planejamento de Recursos Humanos”, “Processos de Gestão de Pessoas”, “Recrutamento & Seleção”, “Remuneração Estratégica”, “Clima e Cultura Corporativa” e “Selling Skills”. Autor dos livros: Glossário de Competências Organizacionais, Coaching Executivo e PDCA Gestão Estratégica. Adicionalmente completa seu perfil profissional como Gerente Executivo da Heutagus Educação Corporativa e SBTD – Sociedade Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento.
fernando.cardoso@heutagus.com.br
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Key Words
• Autodesenvolvimento
• Desenvolvimento Humano
• Expansão da Consciência
• Recursos Humanos
• Sensibilidade Humana