Retomando a primeira parte
Na primeira parte deste artigo discutimos o papel fundamental que o(a) Gerente Distrital (GD ou Gerente de Primeira Linha) desempenha na indústria farmacêutica, dada a posição privilegiada que ocupa, em contato com o mundo real dos clientes, consumidores e representantes e, ao mesmo tempo, os departamentos da matriz com suas políticas, estratégias do negócio e o marketing.
Também foi descrito como pode administrar os cinco fatores-chave do pentágono de influência para o sucesso na geração da demanda: o(a) profissional certo(a), o(a) cliente certo(a), o produto certo, a mensagem certa e os recursos certos.
Na sequência, falamos dos quatro principais problemas que impedem que essa posição possa operar de uma maneira muito mais eficiente e com custo/benefício mais favorável. Ressaltamos que GDs tipicamente gerenciam recursos que podem chegar a R$ 5 milhões/ano e que limitar seu trabalho a “fazer coaching” seja talvez uma subutilização da função.
Os problemas que citamos foram:
Prometemos, ao final daquele artigo, falarmos de potenciais soluções que podem ser implementadas em pouco tempo e como GDs podem evoluir em seu papel. Comecemos, portanto.
Problemas & Soluções
Como minimizar atividades que não geram valor e diminuem a eficiência do trabalho?
Quando falamos de excesso de tarefas administrativas e múltiplos stakeholders, falamos de uma maneira geral do tempo dedicado a tarefas que não agregam valor nem ao negócio, nem ao cliente.
De fato, quando GDs investem muito tempo em responder e-mails, acompanhar por muitos dias representantes experientes e de alta performance, deslocar-se de um ponto para outro de seu distrito sem real necessidade ou participar de reuniões desnecessárias, está jogando no lixo o recurso mais valioso que existe: o tempo. Tempo é um recurso que você não pode armazenar e usar mais adiante; é crucial maximizar seu emprego em tarefas e atividades que agregam real valor. Como definir se uma atividade agrega valor? Aqui as técnicas de incremento de produtividade entram em jogo, como as metodologias LEAN e Six Sigma.
Falemos então do método LEAN, que se adapta a diferentes ambientes de negócio, e não apenas à manufatura, onde teve sua origem. O LEAN envolve: (1) definir o que é valor, (2) identificar o processo para entregar valor e os desperdícios, (3) redesenhar e implementar o processo e (4) reiniciar o ciclo buscando melhora contínua
Há que definir, inicialmente, o que é “valor” do ponto de vista do cliente. Certamente a primeira pergunta que você tem que responder é “Quem é o cliente? “. Representantes? Profissionais de saúde? Pacientes? Embora a pergunta pareça fácil, a resposta não é simples e requer muita discussão. Uma vez definido quem é o cliente e o que é valor do seu ponto de vista, deve-se determinar como medir esse valor e fazer o acompanhamento do progresso de acordo com a métrica escolhida.
O próximo passo é a análise de todos os processos para atender clientes e aqui está um dos momentos cruciais da metodologia: a identificação dos desperdícios, atividades ou ações que não possuem qualquer valor agregado. Esses desperdícios devem ser identificados e eliminados, e em seguida configurar e implementar os novos processos. Finalmente, há que seguir medindo o valor pelas métricas escolhidas e buscar continuamente a “perfeição” reiniciando o ciclo – não existe um nível máximo de desempenho.
Esta é uma visão bastante simples do LEAN. Há muita literatura sobre o tema e convidamos você a descobrir mais. Modelos como LEAN, Six Sigma e vários outros são hoje a melhor solução para melhorar a eficiência da Gerência Distrital.
Como medir o desempenho dos Gerentes Distritais? KPIs versus KRs
Na primeira parte deste artigo falamos de dois componentes do desempenho de GDs. O primeiro é o resultado alcançado em vendas e/ou geração de demanda que são chamados de KRs – Key Results. Pensemos neles como os gols que são feitos numa partida de futebol. São as métricas que definem se um time ganhou ou perdeu uma partida. Os KPIs – Key Performance Indicators – relacionam-se com a execução. Novamente comparando com o futebol, seriam algo como o tempo de posse de bola, o percentual de passes corretos, o número de escanteios e pênaltis. De uma maneira simples, os KPIs mensuram “o que fazemos” e os resultados são “o que alcançamos”. Precisamos dos dois componentes para medir a eficiência e efetividade. Se o time executa bem, os KPIs o expressarão e a chance de obter excelentes KRs é grande. KPIs pobres geralmente resultam em KRs fracos. Alguns me perguntam se é possível ter KPIs ruins e KRs bons – e vice- versa. A resposta é que sim, é possível, porém muito raro. Bons KRs e KPIs ruins pode indicar algum golpe de sorte do(a) GD em questão um “vento de cauda” que impulsionou os resultados no seu distrito. Bons KPIs e maus KRs podem vir de uma situação específica do distrito (ex: a falência de um cliente).
A chave aqui é a escolha dos KPIs adequados para GDs. Em geral, empresas escolhem somente “tempo de coaching”. Não vou discutir aqui se “coaching” é o enfoque mais importante da função, mas quero lançar algumas ideias de como se poderia aprimorar esse indicador e propor outros índices complementares que fortalecessem esses KPIs. Aí vão.
KPI #1: Atividade de Coaching
A maioria das empresas definem tempo de “coaching” como trabalho de campo acompanhando representantes. Há uma sutil diferença entre as empresas que medem este KPI como “dias de coaching” e as que usam “visitas acompanhadas”. A grande limitação, nos dois casos, são as condições necessárias para implementar um coaching efetivo com o tempo, os recursos e o local adequados. O mais comum é que GD e representante tenham uma rápida troca de impressões após cada interação com o cliente, na sala de espera ou no automóvel, seguindo para a próxima visita. No final da tarde, também no carro ou em algum bar ou padaria, faz-se um resumo do que ocorreu durante o dia e define-se as correções necessárias e ações futuras. O cansaço frequentemente impede que exista uma verdadeira sessão de coaching.
Uma solução possível seria uma combinação, onde o KPI inclui o tempo de GDs com suas equipes no campo e outras interações 100% dedicadas ao coaching, que não devem ocorrer nos dias de trabalho conjunto. Como exemplo, Gerentes Distritais poderiam ter uma meta de 70% no campo com representantes e sessões de coaching mensais para cada representante onde ele discutisse, em profundidade, todos os aspectos do trabalho do representante: resultados, prêmios, cotas, visitas realizadas, oportunidades, planos especiais, desenvolvimento etc. As sessões de coaching podem ocorrer por Zoom ou Teams, e não necessariamente de forma presencial.
KPI #2: Avaliação do Conhecimento Técnico da Equipe
Esta proposta de KPI costuma ser polêmica. Afinal, quanto o conhecimento técnico de representantes pode contribuir para os Key Results de um distrito? Muitíssimo, eu diria. Sólidos conhecimentos são absolutamente essenciais para o sucesso de novos produtos, que são cada vez mais de nicho, cientificamente sofisticados, de alta especialização e altos custos. Não há como chegar ao êxito com esses produtos quando representantes têm conhecimentos frouxos. Desta maneira, sólidos conhecimentos são pré-requisito para o sucesso dos produtos e existe apenas uma maneira de adquiri-los: estudando. E apenas uma maneira de confirmar a absorção do conteúdo: conduzindo avaliações. O KPI aqui descrito é nada menos que a média das notas obtidas nas avaliações pela equipe, incluindo GDs. É papel de GDs certificar-se que o conhecimento demonstrado pela equipe em avaliações seja empregado no dia a dia, junto a cliente e outros stakeholders, para esclarecer dúvidas, lidar com objeções, transmitir mensagens-chave etc.
KPI #3: Índice Ponderado de Atividade da Equipe (IPAE)
Fazendo um paralelo com o futebol americano, o KPI #1 proposto avalia o tempo e a qualidade do treinamento que o coach proporciona à equipe. O KPI #2 representa o conhecimento que a equipe possui do “play book” – o livro onde estão descritas todas as jogadas. O KPI #3 aborda a execução durante a partida (não confundir com os touchdowns – os gols – que são o resultado). A função do IPAE é agregar as principais métricas de atividade em um único número, que é uma média ponderada. É importante termos um único número que avalie a atividade, caso contrário teremos várias métricas, algumas atingindo a meta, outras não. A escolha das métricas e seu respectivo peso deve ser decisão de cada companhia, de acordo com a equipe e os principais produtos. Um exemplo hipotético:
Índice Ponderado de Atividade | Resultado | Peso | Total |
Cobertura do Segmento “A” | 95,0% | 0,40 | 0,380 |
Número de Visitas do Período | 90,0% | 0,25 | 0,225 |
Média de Visitas / Dia | 85,0% | 0,15 | 0,128 |
Frequência de Visita no Segmento “A” | 90,0% | 0,20 | 0,180 |
= Score IPA | 1,00 | 0,913 |
Como tornar a remuneração variável/premiação mais atrativa?
Aqui nos referimos à parte do salário da equipe de vendas que está atrelada ao cumprimento dos objetivos, tipicamente representando de 30% a 40% do salário total.
Na primeira parte deste artigo, falamos da aplicação de aceleradores na premiação das equipes. Exemplo: a partir de 100% de cobertura do objetivo, cada 1% adicional é recompensado com mais de 1% de prêmio. Assim, alguém que obtém 110% de atingimento, ganha 120% de premiação. Com essa prática há reps que atingem até 200% do seu prêmio e outros que, ao contrário, ficam próximos a 60%. Com o uso de aceleradores na premiação, há um real incentivo em buscar a superação.
No entanto, no caso de GDs há uma “compressão” na distribuição do atingimento da premiação. Isto ocorre porque o resultado e o objetivo do distrito costumam ser iguais à pura soma dos números individuais da equipe. O que se observa na realidade é que a cada mês alguns elementos da equipe estão acima do objetivo e outros tantos abaixo. Matematicamente, os GDs estão sempre próximos dos 100%. Abaixo, um exemplo real:
Premiação – Reps & GDs | Reps | GDs |
Número | 52 | 7 |
Premiação Mínima | 55% | 80% |
Premiação Máxima | 125% | 105% |
Média | 89% | 92% |
Desvio Padrão | 18% | 9% |
Explicando: para GDs a dispersão do pagamento do prêmio ficou entre 80% e 105% (média=92%, desvio padrão=9%). É um intervalo pequeno, cuja mensagem implícita é que não faz tanta diferença esforçar-se demasiado. Para reps a dispersão da premiação está entre 55% e 125% (média=89%, desvio padrão=18%).
Aqui a possibilidade e o incentivo de “ir além” são significativamente maiores para reps.
Uma solução para romper a inércia provocada por esse tipo de mecanismo de premiação de GDs é introduzir diferentes aceleradores para que o prêmio seja mais elástico e tenha maior dispersão, estimulando a busca contínua da superação. Como se pode fazê-lo? Três ideias:
Existem empresas que têm a prática de premiar pelo atingimento dos KPIs de atividade da equipe. Eu sempre fui contrário à ideia, pois creio que se deve pagar por resultado (geração da demanda) e não por execução do trabalho (atividade). Em outras palavras, advogo o pagamento por KR e não por KPI. Penso que, pagar por KPI é como se dentro das empresas se premiasse por pontualidade. Já experimentei usar o não cumprimento dos KPIs de atividade como penalidade na premiação: deduz-se um percentual do prêmio para GDs que não atingiram os objetivos de KPIs. Foi algo extremamente impopular.
Como manter a motivação e o entusiasmo de GDs ao longo da carreira?
É um fato que a maioria de Gerentes Distritais terminará sua carreira nessa mesma posição. Lhes recordo da primeira parte deste artigo em que concluímos que para cada oito a dez Gerências
Distritais há uma Gerência Regional ou Nacional. Grosso modo, alguém que ascendeu à uma Gerência Distrital sabe que têm 10% de probabilidade de uma nova promoção caso permaneça em vendas ao longo da carreira. Logo, é bastante desafiador manter GDs motivados por décadas. Há bons profissionais que aceitam a mesma posição de GD em outra empresa apenas para que algo mude e não se sinta estancado(a) na carreira. São raras as empresas que se importam com esta situação e que ofereçam para GDs oportunidades de reconhecimento, desenvolvimento e progresso profissional. Acredito que há quatro abordagens simples para superar esse obstáculo:
Criar um plano de carreira para GDs
Há poucas empresas que têm planos de carreira verdadeiramente efetivos para Gerências Distritais. Existem posições para os quais os termos “Júnior” e “Sênior” são tradicionais, como para Gerentes de Produto, e penso que faz sentido que isso se aplique também às Gerências Distritais. Isto permite que GDs tenham uma meta profissional de médio prazo e sintam que há progresso profissional. Do lado da supervisão, é preciso administrar a ansiedade para promover “Júniores” o mais rápido possível. Tampouco devemos confundir “Sênior” com “com maior idade”.
Novamente, existem empresas nas quais todos GDs são seniores, e o significado e o valor do título se perdem. Para uma progressão de carreira de verdade, companhias devem ter concomitantemente GDs júniores, plenos e seniores. Como administrar essa composição? Compartilho aqui um esboço de uma matriz-guia com uma distribuição da população de Distritais:
Interpretando a matriz: a empresa objetiva ter a metade de GDs como “Pleno” (profissionalmente maduros), 30% como “Sênior” e 20% como “Júnior”. A maioria dos “Sênior” tenderá a ter mais de 10 anos na posição, embora alguns poucos possam ascender a esse status depois de cinco anos – os prodígios. Porém é inadmissível que se chegue a “Sênior” antes dos cinco anos. O outro lado da moeda é que ninguém pode ser “Júnior” depois de cinco anos – nem tampouco “Pleno” depois de 15 anos na função. ´
É necessário que se abra espaço para a promoção de novos Plenos e a chegada de novos juniores.
Estabelecer programas de reconhecimento exclusivos
Quase toda companhia tem concursos ou programas de reconhecimento para representantes. Poucas, porém, desenvolveram esse tipo de atividade com foco nas Gerências Distritais. Um exemplo positivo: uma companhia que tem a tradição de reconhecer anualmente o melhor 1% dos representantes do mundo. A cerimônia de premiação ocorre na Europa e é conduzida pelo(a) CEO. O sucesso e prestígio deste programa levou à criação de uma iniciativa na América Latina focada na Gerência Distrital – o Campeões de Coaching – reconhecendo profissionais de destaque em cada país.
É fundamental que os critérios do concurso estejam totalmente alinhados com regras de premiação (salário variável) para que não ocorram “distorções” – tais como GDs que não cumprem cotas recebendo o prêmio.
Implementar Programas de Desenvolvimento para GDs de alto potencial
A última peça quebra-cabeças motivacional consiste em programas de desenvolvimento para GDs. A seleção de participantes se baseia no potencial identificado, porém, não basta ter alto potencial para participar deste tipo de programa – um bom desempenho é pré-condição. Um programa de desenvolvimento deste tipo deve ter como alvo cerca de 20% da equipe de GDs, e existem um sem-número de atividades que podem ser usadas no desenvolvimento destes profissionais de elite: apresentações, leituras, palestras de especialistas, avaliações de perfil de liderança, atendimento às necessidades individuais (inglês, MBA etc.).
O sucesso dos programas de desenvolvimento para Gerente Distrital é baseado em:
Concluindo
Nesta segunda parte do artigo visitamos algumas propostas sobre como superar os principais desafios da função da Gerência Distrital da indústria farmacêutica no curto prazo. São soluções razoavelmente simples e de implementação rápida e que, ainda assim, podem alavancar expressivamente os resultados da Gerência Distrital.
Aqui há um pouco de tudo para todo tipo de GD:
E na sua companhia? Algum destas abordagens é usada? Caso positivo, têm bom resultado? Por favor, compartilhe suas experiências.
Informações do Autor
Antonio Cesar Rodrigues
Antonio Cesar Rodrigues é professor e consultor, com mestrado científico em marketing pela John Sykes College of Business, na Universidade de Tampa, Flórida, e especialização em marketing pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Com mais de 30 anos de vivência na área, trabalhando em posições executivas nacionais, latino-americanas e globais, suas áreas de expertise englobam Marketing Farmacêutico, Estratégia, Pricing, Comportamento do Consumidor, Marketing Intelligence e Efetividade de Marketing & Vendas. Atualmente dá aulas no MBA Internacional da FIA em São Paulo, ministrando as disciplinas de Marketing Intelligence e Consumer Behavior. Atuou também como professor da cadeira de Marketing na Universidade de Tampa em 2020 e 2021. Antonio Cesar é diretor da Pro|Marketing, consultoria por ele criada, cuja missão é “desenvolver profissionais de marketing extraordinários”.
cesar.rodrigues@promktg.net
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