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Passado e Presente da Gerência Distrital
Dentre todas as funções da indústria farmacêutica, uma das que menos mudou é a de Gerente Distrital (abrevia-se GD) – em inglês first-line manager (gerente de primeira linha). Nos referimos a profissionais que são responsáveis pela supervisão e coordenação de uma equipe formada por seis e dez representantes de vendas ou promoção médica. Esta função é o elo entre o mundo real do mercado, em contato com os clientes, e a realidade do pessoal da matriz. Desta forma, tem um papel crítico, traduzindo as diretrizes do business para a equipe de campo e comunicando a realidade do mercado, nem sempre agradável, para stakeholders internos.
Esperava-se que a revolução causada nos anos da pandemia transformasse radicalmente a atuação da Gerência Distrital, mas os fatos mostram que isso não ocorreu. Representantes se adaptaram com rapidez às demandas do “novo normal” e desenvolveram capacidades tecnológicas, aprenderam a comunicar-se online com profissionais de saúde e passaram a operar concomitantemente em múltiplas interfaces (Zoom, WhatsApp, Face Time …). A Gerência Distrital, no entanto, mudou pouco.
É verdade que o espírito de atuação mudou ao longo do tempo. Há algumas décadas, alguém que ocupava a Gerência Distrital tinha uma imagem de carrasco, um papel de garantidor da execução,
com um comportamento algo desagradável, ditatorial e muitas vezes cruel. Virtualmente 100% de GDs era do gênero masculino.
Mais tarde, a função adquiriu o espírito da área militar; supervisores passam a imaginar-se como alguém que comanda soldados numa guerra. Tornou-se um líder, com caráter forte, um tanto paternalista, mas cuja equipe não tem espaço para discutir suas ordens. Aqui surge a figura do “sargentão”.
Nos últimos 20 anos, a Gerência Distrital incorporou o conceito de coaching como sua essência. A função tenta incorporar um espírito carismático, planejador, motivador e participativo, assemelhando-se ao de um técnico desportivo. A metáfora: uma equipe de representantes seria como um time de futebol, que segue as táticas definidas pela Gerência Distrital. Além disso, espera-se que dentro da sua função de treinador, a Gerência Distrital cuide do desenvolvimento do time, treine-o e atue para que se alcance melhores resultados. Parte da expectativa é que se atue como psicanalista em momentos críticos. No que diz respeito ao gênero houve mudança: num levantamento no LinkedIn com 286 profissionais da indústria farmacêutica na posição de Gerência Distrital em São Paulo, descobriu-se que 35% têm nomes comumente associados ao gênero feminino. A proporção representa um considerável avanço, ainda que se possa argumentar que levou 40 anos para que se atingisse esta situação. Em termos de ferramentas para avaliar a excelência de atuação da equipe, há hoje um farto arsenal (Roambi, Veeva, Tableau, Sales Force Cloud…), mas é incerto quanto GDs conseguem utilizá-lo em todo seu potencial.
Se por um lado o espírito da função mudou, na atuação isso não ocorreu. GDs seguem dedicando cerca de 80% do tempo trabalhando lado-a-lado com representantes e 20% em atividades administrativas e de planejamento. No campo, após acompanhar visitas dos representantes aos clientes durante dois dias, fazem uma reunião em que ocorre uma avaliação da atuação e medidas a serem tomadas até o próximo encontro.
É aqui que a indústria se encontra hoje: GDs buscam ter um papel de coach e passam a maior parte do tempo, “fazendo coaching”. Por isso a maioria das empresas tem como principal KPI para a Gerência Distrital o percentual de tempo investido “em coaching”. O mais comum é que usem como métrica o número de dias do ciclo em que esteve “no campo”. Essa visão um pouco simplista diminui a importância desta função na indústria farmacêutica. A Gerência Distrital encontra-se numa posição privilegiada, onde pode fazer muito mais, atuando em cinco fatores-chave no sucesso do negócio.
O Pentágono de Influência da Gerência Distrital
Existem cinco fatores-chave que, quando abordados sinergicamente, alavancam os resultados. Eles são:
1. Profissional Certo
2. Cliente Certo
3. Produto Certo
4. Mensagem Certa
5. Recursos Certos
Representante Certo: Assegurar e Validar
A Gerência Distrital está na melhor posição possível para escalar os melhores profissionais para sua equipe. Talvez tais profissionais venham de competidores, trabalhem em farmácias ou hospitais, façam parte de outras equipes do mesmo laboratório… não importa. A gestão de distrito pode recrutar e selecionar representantes e conduzir o treinamento para que desempenhem suas funções com eficiência rapidamente. A chave do sucesso é validar as recomendações e candidaturas recebidas e assegurar que se escolha e se prepare o(a) candidato(a) mais adequado(a).
Cliente Certo: Validar e Garantir
Pelo conhecimento, a Gerência Distrital deve ter clareza sobre quais são os clientes com maior potencial de negócio em seus territórios. Estes clientes podem estar fora do radar das auditorias de mercado – nem todos aparecem no Audit Pharma. Desta maneira, estão, por assim dizer, invisíveis para muitas empresas. A função precisa garantir que estes high-potential targets não fiquem de fora do deu painel. Para tanto, os clientes devem ter o seu perfil corretamente avaliado pelos representantes (profiling), para que se possa fazer de forma eficiente segmentação & targeting. Para evitar erros, por exemplo, se um profissional de saúde, classificado como de baixo potencial pelas auditorias, for classificado como de alto potencial pelo representante, a Gerência Distrital deve fazer a validação e garantir que os clientes com maior potencial recebam melhor aporte de recursos.
Produto Certo: Garantir e Alinhar
Já há algum tempo algumas companhias vêm permitindo que representantes alinhem seu portfólio de produtos promovidos ao perfil do profissional de saúde. Isso não significa, entretanto, que haja total liberdade para incluir produtos não prioritários na grade de promoção. Porém, há latitude para trazer um produto que deve ser promovido na terceira posição para o primeiro lugar da grade, a depender do perfil do profissional de saúde. Na verdade, esse é um conceito que se originou há décadas e era conhecido como “produto-objetivo”. Para se evitar caos absoluto na organização das grades promocionais, o papel da Gerência Distrital é absolutamente essencial. A função deve garantir que a ordem estabelecida nas táticas de marketing seja implementada e que rearranjos de grade sejam exceção e não a regra. Ao alinhar a ordem dos produtos promovidos por representantes, a Gerência Distrital deve perguntar-se se o movimento faz sentido e – muito importante – se existem recursos para fazê-lo. Não é uma boa prática empurrar um produto na quarta posição para a primeira, se a promoção ficar puramente na dimensão verbal e sem materiais de suporte.
Mensagem Certa: Alinhar e Preparar
De nada adianta termos o profissional certo frente-a-frente com o cliente certo, levando o produto certo se a mensagem comunicada é equivocada. A Gerência Distrital, na sua função de treinamento, é responsável por assimilar as mensagens promocionais dos produtos, incluindo a lógica do marketing e sua intenção estratégica. Junto com a equipe, ele repassará esse conhecimento e fará com que representantes cheguem ao campo 100% preparados para comunicá-las. Durante as suas saídas a campo, o(a) GD verifica a transmissão e compreensão das mensagens e faz alguns ajustes, se necessário. Deve-se destacar a relevância de efetuar feedback ao Marketing sobre o impacto que as mensagens promocionais estão alcançando junto aos clientes. É comum que, na prática, uma mensagem promocional não funcione bem e seja necessário adaptá-la. A Gerência Distrital é a parte que tem melhores condições para identificar essa possível ocorrência.
Recursos Certos: Preparar e Assegurar
Com a combinação Profissional-Cliente-Produto e Mensagem Certos alinhada, falta ainda garantir que haja recursos certos para a execução do trabalho. Devemos compreender que recursos certos não é o mesmo que recursos em abundância. Pode-se empregar recursos infinitos para determinado cliente, mas caso estes não tenham valor para o mesmo, não surtirão qualquer efeito. Vejamos um exemplo: há empresas que ainda trabalham com envios iguais de materiais promocionais e amostras para as equipes. Ou seja, o departamento de promoção envia “x” amostras do produto “y” para representantes baseado no número de profissional de saúde visitados. Poucas companhias operam com remessas personalizadas de materiais, onde cada representante escolhe o que e quanto quer receber. No entanto, a Gerência Distrital tem a condição de orquestrar remessas diferenciadas para sua área, planos e investimentos customizados, garantindo que a sua equipe receberá os recursos mais adequados para alcançar os resultados. No trabalho com representantes de sua equipe, o/a GD assegurará que os envios personalizados estão ocorrendo e avaliará a eficácia local dos recursos promocionais e sua utilização, além de solicitar adequações caso julgue oportuno.
Em resumo, o ponto onde se assenta a Gerência Distrital é único e privilegiado – no centro do pentágono de influência e seu poder na geração de resultados é fenomenal. A Gerência Distrital pode – e deve – ir muito além do coaching.
Desperdício de um recurso de alto valor?
A Gerência Distrital no Brasil concentra um volume de recursos muito significativo, fato que nem todos se dão conta. Somente os custos de uma posição de representante (salário, benefícios, equipamentos, alimentação etc.) representam cerca de R$ 300.000/ano. Isto significa que cada Gerência Distrital tem a responsabilidade sobre recursos de quase R$ 3 milhões/ano, pensando- se apenas na equipe. Somando os investimentos promocionais dos produtos, chega-se facilmente a mais de R$ 5 milhões.
Gerência Distrital: Principais Problemas
Não fica dúvida quanto à importância do papel da Gerência Distrital. Porém existem obstáculos à maximização dos resultados. Podemos enumerar quatro problemas principais na função:
1. Excesso de tarefas administrativas e stakeholders internos;
2. Métricas concentradas no tempo de coaching;
3. Remuneração variável com baixa elasticidade;
4. Baixo reconhecimento e perspectivas de carreira.
Tais obstáculos são considerados pela maioria como parte integrante da realidade do cargo e, portanto, não poderiam ser eliminados. Devemos desafiar essa crença: esses problemas são barreiras a uma eficiência muito superior da Gerência Distrital, frente aos quais devemos buscar soluções. Antes de mais nada, exploraremos juntos esses problemas.
Múltiplos Stakeholders Internos e o “Administrativo”: E-mails, Autorizações, WhatsApp… e mais E- mails
A função tem diferentes desafios quanto ao uso do seu tempo, principalmente o excesso de tarefas administrativas que não agregam valor. Se para os representantes cerca de 10% do seu tempo é gasto em tarefas administrativas, para a Gerência Distrital o número é mais próximo a 30% (um dia e meio por semana). Para piorar, orientações e comunicações vêm de múltiplos stakeholders internos e nem sempre estão alinhadas. GDs podem receber orientações conflitantes de, por exemplo, Acesso ao Mercado e Marketing. Aclarar qual é o direcionamento que vale, o que frequentemente leva tempo pois requer alinhamento entre as funções, prejudica a produtividade. Em uma pesquisa com grupos de Gerentes Distritais, concluiu-se que uma economia significativa de tempo poderia ser alcançada com a redução do número de e-mails corporativos que vão indistintamente para todos os funcionários da empresa, mas só são úteis para quem trabalha no escritório. Um profissional sênior da área de Sales Force Effectiveness liderou um projeto aplicando a metodologia LEAN em um grande laboratório. Seu comentário: “Ficamos impressionados com a quantidade de e-mails que as gerências de distrito recebiam. Conseguimos reduzi-los consideravelmente com a introdução de um filtro simples. Outra descoberta interessante é que a função tinha tarefas que não agregavam nenhum valor, como autorizar os representantes que foram reprovados em um teste de conhecimentos a refazê-lo. O sistema já registrava o número de tentativas e, portanto, eliminamos a necessidade da autorização. Parecem coisas pequenas, mas economizam tempo precioso”.
Gerência Distrital e seus Key Performance Indicators (KPIs): o que medir?
Desde logo é preciso separar o que são resultados (demanda, prescrição, market share) daquilo que são os indicadores (o “I” do KPI). De forma simples, os resultados seriam como os gols em uma partida de futebol, enquanto os indicadores seriam variáveis como porcentagem de tempo com a posse de bola, número de ataques, escanteios, passes corretos etc. Tanto os resultados de uma equipe quanto alguns indicadores devem fazer parte dos KPIs da Gerência Distrital. Devem também estar disponíveis num dashboard ou “painel de controle”, mas esse é um tema que ficará para discussão futura.
A escolha de um indicador de desempenho que seja verdadeiramente crítico (Key) deve levar em consideração uma provável relação causa-efeito. No caso de um representante, um KPI clássico é “Cobertura do Painel Médico” – percentual de profissionais de saúde constantes no painel visitados no ciclo promocional. Espera-se que taxas de cobertura elevadas resultem em melhores índices de prescrição, market share e geração de demanda. Portanto é um KPI válido. Quando pensamos na Gerência Distrital, o que vemos é que o KPI principal costuma ser “porcentagem de tempo dedicado ao coaching”, que se traduz em quanto tempo um GD está, presencialmente, acompanhando representantes. A meta para esse KPI é tipicamente entre 70% e 80%, mas é fundamental definir a forma como se valida esse tempo. Se considerarmos o coaching como uma visita acompanhada, basta um check no sistema CRM do representante para registrar esse tempo como coaching. Mas será que uma visita acompanhada é o mesmo que coaching? É preciso definir o que exatamente se espera do GD e como quantificá-lo, porém esse não pode ser o único KPI da Gerência Distrital. Um tema controverso que não abordaremos neste artigo é como medir competências e estilos de liderança do(a) GD. Deve-se encontrar um KPI? Deve-se remunerar por essas variáveis? Ou devem restringir-se às avaliações de performance anuais?
O Efeito da Remuneração Variável (Premiação) pela Média da Equipe
Na remuneração variável, ou premiação, dos representantes, a prática de usar um fator de aceleração é bastante comum. Resumindo: se o representante cumprir 100% da sua cota, ele ganha 100% da remuneração variável”. Porém, se atingir 110%, ganha 120%. A partir de 150% de cobertura é comum que se limite a 200% da remuneração variável.
Essa abordagem resulta numa dispersão interessante dos salários de representantes. Quem alcança um pouco mais (que a cota) ganha mais, mas quem vai além ganha muito mais. O inverso também é verdadeiro, pois abaixo de uma determinada cobertura de cota, digamos 80%, o pagamento variável é inexistente. Este é um forte motivador para a busca constante pela superação dos resultados. Esse mesmo fator de motivação não é observado no caso da Gerência Distrital, pois a sua quota costuma ser a soma de todas as quotas da equipe. O resultado é que o efeito de aceleração se reduz. Instintivamente, ocupantes da posição sabem que alguns de sua equipe ficarão acima da cota e outros abaixo. Logo, a cobertura de quota do distrito quase sempre varia pouco dos 100%. Em um estudo na Colômbia, esse fenômeno foi comprovado: entre os representantes, cerca de 40% tiveram uma remuneração variável entre 90% e 110%. No caso das GDs, 71% ficaram dentro dessa faixa. A menor dispersão da curva remuneratória de GDs é evidente – portanto, a motivação para ir além também é menor (ainda que de forma inconsciente). Indiscutivelmente, o estímulo à superação para os GDs é menos atraente do que aquela definida para representantes.
Conquistei a posição de Gerência Distrital. E daqui, para onde vou?
Imaginemos que representantes sejam promovidos à posição de GD por volta dos 30 anos de idade. Se tiver habilidade (e alguma sorte), nos próximos 20 anos haverá outra promoção. Embora pareça um tanto pessimista, isto é um fato: na média, para cada oito representantes há uma posição de GD e para cada dez GDs, existe somente uma Gerência de Vendas Nacional ou Regional. Ou seja, cerca de 90% dos que iniciam no cargo de GD possivelmente chegarão à aposentadoria no mesmo cargo. Como manter esses profissionais motivados por tanto tempo?
Embora existam GDs que conseguem seguir carreira em marketing ou alguma outra área da empresa, são uma minoria.
Frente à falta de perspectivas de avanço na carreira, muita gente busca outras empresas. Mas, novamente, é muito raro que essa mudança resulte em promoção. Em uma farmacêutica multinacional da América Latina, foi realizado um censo para determinar o perfil da Gerência Distrital, com mais de 350 participantes. Os números mostraram que mais da metade já está no cargo há mais de dez anos.
Para onde vamos?
Enumeramos quatro dos principais problemas que são barreiras à efetividade do papel da Gerência Distrital. Estes problemas são o destino da função, ou existe uma maneira de eliminá- los? Qual é a nova fronteira para uma posição tão relevante? As respostas virão na segunda parte deste artigo. Enquanto isso, gostaríamos de receber seus comentários sobre nosso ponto de vista.
Informações do Autor
Antonio Cesar Rodrigues
Antonio Cesar Rodrigues é professor e consultor, com mestrado científico em marketing pela John Sykes College of Business, na Universidade de Tampa, Flórida, e especialização em marketing pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Com mais de 30 anos de vivência na área, trabalhando em posições executivas nacionais, latino-americanas e globais, suas áreas de expertise englobam Marketing Farmacêutico, Estratégia, Pricing, Comportamento do Consumidor, Marketing Intelligence e Efetividade de Marketing & Vendas. Atualmente dá aulas no MBA Internacional da FIA em São Paulo, ministrando as disciplinas de Marketing Intelligence e Consumer Behavior. Atuou também como professor da cadeira de Marketing na Universidade de Tampa em 2020 e 2021. Antonio Cesar é diretor da Pro|Marketing, consultoria por ele criada, cuja missão é “desenvolver profissionais de marketing extraordinário
cesar.rodrigues@promktg.net
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