A primeira pergunta que devemos fazer ao planejar um estudo clínico é para que queremos fazer esse estudo?
Dependendo do contexto de quem planeja, a resposta pode ser diferente. Por exemplo, um pesquisador acadêmico que está inscrito em um programa de doutorado, assim como seu orientador, querem obter dados para gerar um trabalho a ser apresentado para a banca de doutorado.
No contexto da indústria farmacêutica, possivelmente muitos dos envolvidos no planejamento de um estudo querem cumprir os objetivos estabelecidos pelos gestores e, quem sabe, até almejar uma promoção em sua carreira.
Um médico que trabalha com pesquisa para a indústria farmacêutica quer ser envolvido em um estudo internacional para ter seu nome em publicações e apresentações em congressos, e, ainda mais importante que isso, quer poder oferecer a seus pacientes a oportunidade de receber um tratamento promissor.
São motivos bastante compreensíveis e de ordem prática, porém são na verdade apenas benefícios que advêm como consequências secundárias da realização do estudo clínico e não os motivos pelos quais se deve fazer o estudo.
Um estudo clínico deve ser feito para desenvolver um novo medicamento (ou procedimento, exame diagnóstico, dispositivo) assim como estudar uma nova indicação para medicamento já aprovado. Ou um novo regime de administração, novas associações, novas vias de administração. Pode ser feito para comparar medicamentos, avaliar novos dados de segurança, ou ainda, estudar o medicamento em um outro tipo de população diferente da originalmente aprovada, por exemplo, pediátrica.
Do ponto de vista da área de Pesquisa e Desenvolvimento (R&D) de uma indústria farmacêutica, um determinado estudo clínico é feito por um ou mais motivos entre os citados acima, e mais de que isso, tem que ter por base a estratégia de desenvolvimento do medicamento ou extensão de seu ciclo de vida, no caso de medicamentos já aprovados.
Mas não vamos nos deixar confundir com a similaridade entre palavras. Embora na nossa linguagem cotidiana possamos intercambiar as palavras objetivo, motivo, finalidade, propósito e outras mais, quando falamos do objetivo de um estudo clínico estamos nos referindo a algo específico e que deve ser bem definido, sob risco de perder recursos e tempo caso não tenha sido definido adequadamente.
No contexto do protocolo de um estudo clínico, objetivos devem descrever as informações que queremos obter do estudo.
Um estudo deve ter objetivos claros e que possam ser medidos de modo inequívoco. Essas medidas serão feitas através dos desfechos, tradução do inglês endpoints. O Conselho Internacional de Harmonização (ICH: International Council on Harmonisation)
que é o fundamento das Boas Práticas Clínicas (GCP: Good Clinical Practices) requer que exista uma descrição detalhada dos objetivos do estudo, assim como, uma definição específica do desfecho primário e, se houver, dos desfechos secundários que serão medidos durante o estudo.
A agência regulatória FDA (Food and Drug Administration) tem exigência semelhante.
Resumindo, objetivo é uma descrição da informação que queremos obter do estudo e desfecho é a variável que vai permitir medir o objetivo.
Objetivos primário, secundários e exploratórios
Um estudo pode ter diversos objetivos, mas é crítico definir a priori qual será o objetivo primário. Este objetivo primário estará associado ao desfecho primário escolhido, que por sua vez define o tamanho de amostra, sobre o qual falaremos em outro artigo.
Exemplos facilitam o entendimento. Um estudo para aprovar um novo medicamento para tratar Influenza em pacientes ambulatoriais poderia ter como objetivo primário a eficácia do tratamento comparativamente ao controle, e como desfecho primário, a diferença entre os tempos até a resolução dos sintomas nos dois grupos. Neste exemplo, a eficácia estará sendo medida através do tempo até resolução dos sintomas: o grupo tratado melhora antes que o grupo controle?
Importante lembrar que os resultados de um estudo para aprovação de medicamento pelas autoridades regulatórias precisam atingir o desfecho primário pré-definido. No estudo do exemplo, a eficácia somente será comprovada, para fins de aprovação do medicamento, se o tempo até a resolução dos sintomas for menor no grupo tratado de que no grupo controle, e que essa diferença tenha significância estatística. Daí a importância de definir adequadamente o objetivo primário do estudo e seu correspondente desfecho primário.
Um estudo pode ter também objetivos secundários e, além destes, pode ter objetivos exploratórios. Esses objetivos dizem respeito a informações adicionais que esperamos obter com o estudo.
No caso do medicamento para Influenza, um objetivo secundário poderia ser a eficácia na prevenção da hospitalização, e o desfecho correspondente, a proporção de pacientes que necessitem hospitalização no grupo tratado e no grupo controle.
Um objetivo exploratório, poderia ser a capacidade de inibir a replicação do vírus. O desfecho correspondente poderia ser então a diferença entre os tempos até negativação do exame PCR e cultura celular dos dois grupos.
Escolha dos desfechos
Quanto à escolha dos desfechos, o que deve ser levado em consideração?
Devem ser clinicamente significantes e relacionados ao processo da doença. Devem responder às principais perguntas do estudo e também serem práticos, de forma que possam ser avaliados da mesma maneira em todos os participantes do estudo. Além disso, devem ocorrer com frequência para que o estudo possa ter poder estatístico suficiente.
Existe ainda a distinção entre desfechos diretos e indiretos. Desfechos diretos medem diretamente como um paciente se sente, funciona ou sobrevive. Sempre que possível, deve-se dar preferência a desfechos diretos.
Desfechos indiretos são resultados de laboratório ou sinais físicos utilizados como substitutos do desfecho clínico. É claro que a associação que permite a substituição deve estar devidamente validada. Por exemplo, são desfechos diretos: sobrevivência, melhora da doença, evento clínico (infarto, AVC, hospitalização, por exemplo), escore de sintomas, qualidade de vida
relacionada à saúde.
São desfechos indiretos validados: pressão arterial para doença cardiovascular, infarto, insuficiência cardíaca; nível de colesterol para aterosclerose; contagem de CD4 ou carga viral para complicações de HIV; hemoglobina glicada para complicações de diabetes.
Para concluir é importante enfatizar que a má escolha dos objetivos e dos correspondentes desfechos, notadamente do desfecho primário, já que este é que será levado em conta no momento da aprovação regulatória, pode fazer com que um medicamento eficaz seja abandonado. Isto representa uma grande perda para a empresa e maior ainda para médicos e pacientes que deixarão de contar com um medicamento eficaz, que apenas não teve sua eficácia demonstrada devido a um desenho inadequado dos estudos clínicos.
Informações do Autor
Dra. Eliana Maria de Benedictis
Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tendo atuado nos últimos 26 anos na indústria farmacêutica e em organizações de pesquisa clínica (CRO). Atuou nas empresas: Wyeth, Roche, Parexel e Janssen.
Entre as funções que desempenhou, destaca-se pesquisa clínica, monitoria médica, farmacovigilância, medical affairs, gerenciamento de crises, suporte regulatório e gerenciamento de equipes de alta performance.
Tem especialização em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde pela Fundação Getúlio Vargas e Mestrado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Atua como consultora para Farmacovigilância, Pesquisa Clínica, Medical Affairs e treinamento médico de Força de Vendas e MSLs. Implementação de área e processos de Farmacovigilância na indústria farmacêutica e CRO.
eliana.benedictis@gmail.com
Direitos Autorais
O conteúdo deste artigo é de inteira propriedade do “Autor”, e seus respectivos direitos autorais são protegidos pela Lei 9.610 de 19.02.1998. Qualquer uso, divulgação, cópia ou disseminação de todo ou parte deste material sem a citação da fonte, são expressamente proibidos.
Responsabilidades Autorais
Adicionalmente além dos direitos da posse do conteúdo, também incide sobre o “Autor” os deveres e responsabilidades sobre sua criação de conteúdo. Este artigo é de inteira responsabilidade do “Autor” e pode não refletir necessariamente a linha educacional, conceitual, ideológica ou programática da SBTD – Sociedade Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento.
Key Words
– Estudo Científico
– Estudo Clínico
– Farmacovigilância
– Indústria Farmacêutica
– Pesquisa e Desenvolvimento (R&D)