Discutimos em outro artigo a importância de se definir claramente o objetivo de um estudo e o desfecho correspondente. Lembrando que o desfecho nada mais é que a variável que vai permitir com que o objetivo se torne mensurável.
Em outro artigo falamos também sobre a população em estudo e da importância de que ela seja representativa da população para a qual o medicamento se destina.
Falamos também do tamanho da amostra: como não podemos estudar toda a população para a qual o medicamento se destina, calculamos qual o número mínimo de pacientes que devem ser estudados para podermos chegar a alguma conclusão quanto à eficácia do medicamento.
Randomização
Um conceito importante é a randomização, ou seja, o processo realizado para que cada participante tenha a mesma chance de cair no grupo tratamento ou no grupo controle.
É a randomização que permite com que os grupos sejam comparáveis com relação a características demográficas e fatores de risco. Elimina viés de alocação dos participantes nos grupos e garante a validade dos testes estatísticos.
A randomização pode ser simples ou em bloco.
A simples, como o nome diz, é a forma mais simples de randomização, equivale a jogar uma moeda a cada paciente que chega. Sua desvantagem é que o número de pacientes em cada grupo pode ser diferente. Por exemplo, de 100 pacientes randomizados para 2 grupos, pode ocorrer de ficarem 60 em um grupo e 40 no outro.
A randomização em bloco garante que o desequilíbrio entre o número de pacientes por grupo não ocorra.
Vamos tentar explicar de modo mais fácil considerando um estudo que tenha dois grupos de tratamento: A e B.
Na randomização simples, o sorteio é realizado a cada paciente. Assim, pode ocorrer por chance de que fiquem mais pacientes em um grupo de que outro. Na randomização em bloco, por exemplo bloco de quatro, o sorteio é realizado a cada quatro pacientes.
Como ficam esses blocos? Combinando as letras A e B quatro a quatro, teremos os seguintes blocos: AABB, ABAB, BAAB, BABA, BBAA, ABBA. Ao chegar o primeiro paciente, sorteamos um bloco, digamos que caiu o bloco BAAB. Assim, o primeiro paciente irá para o grupo B. O segundo paciente para o grupo A, o terceiro para o grupo A e o quarto para o grupo B. Ao chegar o quinto paciente, sorteamos um novo bloco, digamos que caia agora o bloco ABAB. Assim, o quinto paciente (primeiro do novo bloco) irá para o grupo A, o sexto (segundo do bloco) irá para o grupo B, o sétimo para A e oitavo para B.
E assim faremos a cada quatro pacientes. Desta forma, a diferença entre o número de pacientes nos grupos A e B será no máximo três.
A randomização pode também ser estratificada: aloca os pacientes mantendo a proporção de certas características, como por exemplo, faixa etária, tempo de início dos sintomas ou do diagnóstico, uso de tratamento anterior, genótipo de vírus, fator de risco. Essas características do paciente têm que ser conhecidas no momento da randomização.
A randomização é feita através de sistema de computador. O patrocinador do estudo define o tipo e os detalhes de randomização para que o sistema seja programado. Para cada paciente elegível, o investigador informa ao sistema os dados do paciente quanto às variáveis de estratificação que o sistema solicita. O sistema gera um código para cada paciente, correspondente ao grupo randomizado.
Em estudos duplo-cegos, nem investigador nem paciente sabem a qual grupo o número corresponde. Também não sabem se dois ou mais pacientes estão no mesmo grupo.
Teste de Hipótese
Todo estudo pretende responder uma pergunta. É necessário definir uma hipótese a ser testada com base na pergunta que o estudo pretende responder.
Se um estudo tem por objetivo avaliar a eficácia de um medicamento comparativamente a placebo, a hipótese seria: “O medicamento em estudo é equivalente a placebo com relação ao desfecho primário escolhido.”
Embora não intuitivo, esse é o tipo de hipótese na qual a maioria dos testes estatísticos se baseia e é conhecida em estatística como hipótese nula.
Um exemplo de pergunta: “O medicamento em estudo altera a pressão arterial diastólica dos pacientes?” A hipótese nula seria: “O efeito médio do medicamento na pressão arterial diastólica é equivalente ao do placebo.”
A dúvida que surge é por que a hipótese não pode ser de que o efeito do medicamento é maior de que o do placebo (que seria o intuitivo). Porque para isso teríamos que conhecer a probabilidade a priori de o efeito ser maior de que o placebo por um determinado valor.
Fica mais fácil de entender se imaginarmos que o nosso estudo é lançar uma moeda 100 vezes. A pergunta desse nosso estudo é se a moeda é viciada. A hipótese nula é de que a moeda é honesta, ou seja, a probabilidade de cair cara é igual à probabilidade de cair coroa (50%). Não sabemos a priori qual seria essa probabilidade se nossa hipótese fosse de que a moeda é viciada.
Usando a informação de que a probabilidade de cair cara (ou coroa) é 50% é possível calcular a probabilidade de o número de caras (ou coroas) em 100 lançamentos ser, por exemplo, maior que 70. Essa probabilidade vai ser muito baixa no caso de uma moeda honesta, e se nos 100 lançamentos que fizermos, em 80 deles cair cara (ou coroa), vamos suspeitar que a moeda é viciada. Em termos técnicos vamos rejeitar a hipótese nula de que a moeda é honesta.
Estamos corretos em rejeitar que a moeda é honesta? Talvez não. É possível, por mero acaso, que uma moeda honesta caia 80 vezes cara. O importante é conhecer o erro que estamos cometendo ao rejeitar que a moeda é honesta, quando na verdade o resultado observado foi por mero acaso.
Significância estatística
O chamado p-valor (ou significância estatística) mede a chance de que um resultado observado tenha ocorrido por acaso.
No caso de um estudo clínico é a probabilidade de rejeitar erradamente a hipótese nula de que o efeito no grupo tratado equivale ao efeito no grupo controle: “O efeito não existe de fato, mas acreditamos que ele existe”.
No caso da moeda, é a probabilidade de rejeitar erradamente que a moeda é honesta.
Por convenção queremos p < 0,05 (5%), isto é, queremos ter menos de 5% de chance de cometer esse tipo de erro.
Um estudo com poucos pacientes pode levar a um p-valor grande, mesmo que o efeito exista.
A probabilidade de rejeitar corretamente a hipótese nula é chamada de poder estatístico: “O efeito existe e concluímos que ele existe”. Em geral utiliza-se 0,9 (90%) ou 0,8 (80%) para o poder estatístico.
O valor máximo aceito para a significância estatística é convencionado em 5% (o famoso p<0,05). Mas é necessária muita cautela ao tirar conclusões com base somente nisso. Esse valor não é mágico, é apenas uma convenção, muito razoável, mas apenas convenção. O valor de p não depende apenas da eficácia do medicamento, mas depende do tamanho da amostra. Se o tamanho da amostra não foi calculado adequadamente levando em conta o tamanho esperado para o efeito e a heterogeneidade da população em estudo, poderemos ter um p > 0,05 sem que isso signifique que o medicamento seja ineficaz.
Por esses motivos, ao interpretar os resultados, temos que analisar o desenho do estudo e se foi adequado para o efeito e população que pretendia avaliar.
Informações do Autor
Dra. Eliana Maria de Benedictis
Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tendo atuado nos últimos 26 anos na indústria farmacêutica e em organizações de pesquisa clínica (CRO). Atuou nas empresas: Wyeth, Roche, Parexel e Janssen.
Entre as funções que desempenhou, destaca-se pesquisa clínica, monitoria médica, farmacovigilância, medical affairs, gerenciamento de crises, suporte regulatório e gerenciamento de equipes de alta performance.
Tem especialização em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde pela Fundação Getúlio Vargas e Mestrado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas.
Atua como consultora para Farmacovigilância, Pesquisa Clínica, Medical Affairs e treinamento médico de Força de Vendas e MSLs. Implementação de área e processos de Farmacovigilância na indústria farmacêutica e CRO.
eliana.benedictis@gmail.com
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Key Words
– Estudo Científico
– Estudo Clínico
– Farmacovigilância
– Indústria Farmacêutica
– Pesquisa e Desenvolvimento (R&D)