Após receber um convite para entrevista na agência de empregos para Secretária, não consegui me concentrar em mais nada. No dia seguinte, conversei com a consultora da agência e fiz questão de falar sobre o meu nível de inglês, mas ela insistiu que eu participasse da entrevista. “Você tem potencial e será aprovada”, ela disse.
Era a minha primeira candidatura para uma empresa multinacional. A vaga era para trabalhar com três diretores, sendo um brasileiro, um francês e um alemão. Porém, naquela semana todos estavam em viagem e, por isso, fui entrevistada pelo vice presidente, que era francês.
Durante a entrevista, fui perguntada sobre meu inglês, e falei a verdade: estava entre o nível básico e o intermediário. Mas me comprometi que se tivesse a oportunidade de trabalhar naquela empresa, daria tudo de mim para alcançar o nível avançado. Acabei sendo aprovada.
O que eu não sabia era que trabalhar com expatriados ia muito além de saber falar outros idiomas. Era necessário ser capacitada para interagir entre culturas diferentes, construir um ambiente agradável e respeitoso. Foi a partir deste momento que a interculturalidade tornou-se presente no meu dia a dia.
Trago aqui algumas experiências com os diretores estrangeiros que atendi.
Quando um deles me pediu para fazer uma chamada telefônica, respondi: “Pois não”. Ele virou se para sair de minha sala e em seguida voltou com a pergunta: “Você não fará?”
Esclareci que sim, e expliquei que “pois não” é uma expressão comum da língua portuguesa, que é uma forma gentil de se mostrar disponível para atender ao que foi solicitado. Ele entendeu, mas achou muito estranho e ao mesmo tempo engraçado.
Em outra ocasião, eu disse: “se deus quiser dará tudo certo e o senhor chegará a tempo no aeroporto”. Ele ficou olhando para mim e repetiu “Se deus quiser? O que Deus tem a ver com isso?” Novamente eu tive que explicar sobre a força das expressões usadas em nossa língua.
O outro diretor estrangeiro já estava no Brasil há mais de dois anos e até havia se casado com uma brasileira. Ele adorava o Brasil, mas não gostava da informalidade do povo e ficava muito incomodado com os atrasos para iniciar e terminar as reuniões.
Depois de anos ele e a esposa retornaram para a Alemanha. Passado um tempo, fiz contato com eles, para saber como estavam, quando a esposa me disse: “você não vai acreditar, aqui até os cachorros são educados, passeiam na calçada. Quando saio para passear com o meu, lá vem o cachorro brasileiro fazendo bagunça. ”
E ele disse que já não era 100% alemão, pois no trabalho começou a chegar por último nas reuniões.
Esses diretores se foram e outros vieram em seus lugares. Devido ao aumento de expatriados na empresa, o departamento de recursos humanos contratou os serviços de uma empresa especializada em assessoramento a expatriados. Mesmo assim, nós, secretárias, permanecíamos como o ponto de apoio importante aos executivos expatriados.
Houve uma ocasião em que o vice-presidente tinha acabado de chegar da França. No final de semana ele foi ao supermercado e ficou estarrecido com os carrinhos lotados das famílias brasileiras. Tinha família com dois carrinhos. “Uau! Isto não deve ser normal, algo deve estar acontecendo”, disse.
Em outra ocasião, uma colega, também secretária, foi repreendida por uma francesa, pois a havia chamado pelo nome e não pelo sobrenome.
Em outro momento, fui convidada a assessorar um indiano que nunca tinha trabalhado em outro país e muito menos visitado um país da América Latina.
Assessorá-lo foi outro grande aprendizado, a começar pela à comunicação no dia a dia, pois a adaptação com a pronúncia foi um pouco difícil. Recordo que em uma das primeiras reuniões mensais com o time dele, que era formado por executivos da área responsável pela América Latina. Ele falou por 15 minutos e quando terminou, ficou um silêncio total, e o argentino atreveu se a perguntar: “isto é bom ou ruim?”. E todos riram, menos ele.
Um dia, ele chegou ao escritório, cumprimentou as meninas com beijinhos, e passou a fazer isso todos os dias. Fiquei sem entender o porquê daquele comportamento, mas fui atrás de saber e descobrir que tinha sido uma gerente de RH que havia falado-lhe que tínhamos o hábito de nos cumprimentar com beijinhos. Concordo que temos o hábito de cumprimentar as pessoas com beijinhos, uma forma calorosa típica do brasileiro, mas, vir a fazê-lo no dia a dia com colegas de trabalho, nunca foi uma regra.
Uma vez ele saiu da sala pedindo para eu ligar para polícia. E por que eu teria que fazer isso? Porque ele havia esquecido a carteira de habilitação na residência. Na Índia, a polícia para os motoristas com frequência e solicita o documento; caso este não esteja com o documento, pode vir a ser preso. Expliquei lhe que no Brasil era muito diferente, mas ele estava muito preocupado. Para acalmá-lo, solicitei os serviços de um motoboy para buscar o documento na residência.
Um dia, na sala vip do aeroporto de Guarulhos, um diretor que assessorei, apaixonado por futebol, encontrou o Pelé e não se conteve: foi falar com o Pelé e, ao se despedir, entregou o seu cartão de visita.
Em outra ocasião, também em viagem, ele sentou-se ao lado da jornalista Gloria Maria, e ficou tentando buscar de sua memória de onde ele a conhecia. “Incrível, tenho a absoluta certeza de que a conheço, mas não consigo me recordar de onde.
O propósito desse artigo foi de somente contar sobre a minha experiência com os expatriados e, principalmente, mostrar a importância da habilidade e do conhecimento das Competências Interculturais.
Informações do Autor
Artemisia Pereira
Experiência em Secretariado Executivo em mais de 25 anos, assessorando Executivos de C-Level em empresas multinacionais de grande porte como: Cia Suzano de Papel e Celulose, Hoechst Marion Roussel, Aventis Pharma e Sanofi Medley Farmacêutica. Cofunder da Ínclittus Assessoria Executiva & Empresarial. Co-founder da Ínclittus Assessoria Executiva & Empresarial.
artemisia@inclittus.com
Idelma Gil
Experiência em Secretariado Executivo em mais de 25 anos, assessorando Executivos e Diretores em diferente Unidades de Negócios, em empresas multinacionais de grande porte como: Astra Química, Merrell Lepetit, Hoechst Marion Roussel, Aventis Pharma e Sanofi Medley Farmacêutica.
Co-founder da Ínclittus Assessoria Executiva & Empresarial.
idelma@inclittus.com
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Key Words
– Competência
– Competência Intercultural
– Expatriado
– Secretária
– Secretária Executiva